Antigos manuscritos, na maioria atos notariais, constituem o suporte desta série. Os documentos datam do meio do século 18 ao começo do século 20. Mas o que interessa Villani não é o conteúdo preciso da página em si, mas suas qualidades "embutidas": o ruído de fundo propiciado pela escritura à mão, a característica absorvente do papel chiffon.
A propensão do artista a coletar objetos e artefatos é justaposta com sua equivalente obsessão em colecionar formas. As silhuetas abstratas que aparecem em outras de suas séries recentes sugere uma assinatura artística e, enquanto tal, pertence ao tempo presente.
A noção de decalagem cronológica, de avançar e recuar simultaneamente em suas referências, é aqui materializada — paralelamente à disjunção do nosso olhar, obrigado a focar e desfocar dependendo do elemento que observamos na obra.
Com uma tesoura, Villani cria formas cujo traçado lírico dissimula estruturas espaciais sofisticadas. Os recortes são embebidos em tinta à óleo — ao ponto de se transformarem em formas pictóricas, perdendo completamente seu aspecto de colagem — e em seguida apostas aos manuscritos.
A função primordial é exercida pela tinta, elemento de concretização. Ela é o ingrediente ativo no efeito de multiplicação que as obras causam no observador e articula a dualidade da temporalidade.
Óleo sobre papel chiffon é, em principio, um casamento contra a natureza profunda, intrínseca, dos materiais: a qualidade absorvente do suporte permite que o óleo escape da tinta — a dissociação da camada pictórica por sua vez dando inicio à um processo de transformação do papel.
Numa divertida subversão do entre-dois tão caro à Villani, enquanto um material ganha as características do outro, um novo componente tributário aos dois surge na composição: as emanações de óleo.
As obras falam desta área de contaminação: de como o suporte inicial e os recortes com limites acerados e cores vivas são enriquecidos pelo fluxo espontâneo induzido pela sua união.
E na medida em que a aura em torno dos recortes avança, nos dias e semanas seguindo o fim da intervenção direta do artista, enquanto as silhuetas diáfanas se difundem além da área que lhes foi conferida pela tesoura, uma nova temporalidade – o futuro — é englobada, inadvertidamente elucidando a razão do uso exclusivo de papel chiffon e tinta à óleo.
Michael Asbury in «Julio Villani : it's [a ga]me», Ed. Archibooks, Paris, 2010
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