Identificações
....entre práticas, pensamentos, propostas, universos, trocas, mais que confrontos, diálogos, mais que embates, formas de perceber o outro,
seus limites, suas divergências...
surgem inusitados encontros....
A proposta desta exposição surge a partir de uma conversa entre amigos que propõem dar um novo sentido ao chamado atropelamento, termo já empregado na linguagem urbana, quando um pichador sobrepõe seu registro acima de outro já existente por uma questão de territorialidade.
Indo mais além, esta proposta vem ampliar o sentido de atropelamento. Atropelo que pode neste caso também ser entendido como troca; mistura de trabalhos, personalidades, identificações e anseios. Aqui iremos nos deparar com os limites entre o caos e a desordem, em contraposição ao refinamento do olhar, onde um termina o outro começa e vice-versa, ocorrendo uma sucessiva rede de processos desencadeados.
Mas o que falar destes inusitados encontros? No desejo de sair da individualidade do atelier, ou mesmo provocar o olhar atento do público sedento por novidade num mundo exaustivamente high tech, o que este grupo perpassa ao meu ver vai em busca de um certo enveredar nos caminhos abertos pelo movimento Dadaísta. Caminho este traçado no desejo de buscar mais uma vez, na arte, a liberdade necessária para criar, para interferir, confrontar e dialogar. Tudo isso com um mesmo reconhecimento: o de se saber inacabado e imperfeito. Dispostos a se lançar nas mãos do outro para que ocorra a complementariedade, ou mesmo a destruição. Experiência muitas vezes árdua, tenho certeza, mas também necessária para sentir livremente a entrega, o desapego, as infinitas possibilidades do encontro...
Olhando de fora, percebo o que une estas três gerações e que falo sem pestanejar: é a perspicácia, presente não só em suas falas, como também em diversos de seus trabalhos.
Esta forma de percepção cria uma sucessão alucinante de imagens contraditórias sobrepostas, nos trazendo um resultado que pode perturbar devido a nossas concepções já pré-ordenadas da realidade, e em seguida, gerar uma atração peculiar. Neste emaranhado de características individuais percebo nos trabalhos ora uma energia viril, ora uma doce agressividade, a racionalidade e até mesmo uma cortante sutileza. Muitas vezes, se misturam sarcasmo, ironia e humor.
Sendo a arte expressão de uma época, a proposta desta exposição vem representar a angústia vivida por qualquer mortal na contemporaneidade: a grandiosidade dos recursos tecnológicos e comunicacionais não aumentou a proximidade entre as pessoas. Em meio as novas tecnologias, temos muitos meios, mas pouco tempo; temos muitas questões, mas não com quem lealmente dividi-las, aprofundá-las. Com o advento da World Wide Web temos a oportunidade de nos conectarmos com o mundo ao nosso alcance em um clique, mas raramente tocamos o outro, em todas as dimensões que surgem acerca deste gesto.
Ora, o que suscitou tal proposta pode nao ter nenhum caráter para além da efemeridade das coisas, e talvez não proponha algo que assombre toda a sociedade, porém, o fato de tal proposta existir se dá pela necessidade da criação de um diálogo sem palavras, uma troca instantânea de idéias intrínsecas a cada artista. Sejamos expectadores de universos que parecem opostos mas não são, é o interior, onde os paradoxos convivem: carne e espírito, calor e frio, silêncio e saída.
E citando Max Ernst: "a capacidade maravilhosa de alcançar duas realidades distantes, sem se afastar do campo da experiência, e de conseguir que, ao se unirem as duas realidades, elas gerem uma faísca; de colocar ao alcance de nossa compreensão figuras abstratas que carregam a mesma intensidade e o mesmo alívio que as outras; de nos retirar as referências, nos deslocando em nossa própria memória."
Sinta-se a vontade. Identifique-se. Ou não.
Ana Luiza Neves
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